A Ordem de Santiago foi responsável pela conquista de grande parte do atual território português a sul do rio Tejo e promoveu as principais ações de povoamento e ordenamento socioeconómico de vastas extensões do Alentejo e do Algarve durante a Idade Média.
As origens de uma ordem religioso-militar peninsular
A Ordem nasceu do espírito de cruzada que marcou o imaginário medieval, animado pela conquista de Jerusalém em 1099 e outros sucessos na Terra Santa. No século xii, as conquistas pelos reinos da Europa Ocidental de possessões
muçulmanas fazia-se também na Península Ibérica. No reino de Portugal, estavam já ativas as ordens do Templo e do Hospital, às quais D. Afonso Henriques e D. Sancho I haviam confiado a defesa de importantes áreas do centro do país. A de Santiago foi a última a constituir-se, mas cedo suplantou aquelas em estatuto, dinâmica e relevância. A Ordem de Santiago não nasceu com este nome.
Ela teve origem nos freires de Cáceres, grupo de treze frades guerreiros que se organizaram numa agremiação na segunda metade do século xii e foram reconhecidos como milícia militar pelo rei Fernando II,
de Leão, em 1170. Algum tempo depois, provavelmente por acordo com o arcebispo de Santiago de Compostela, ou porque o apóstolo Santiago era patrono das Espanhas, aqueles freires adotaram o nome de Ordem de Santiago. A ambição unicamente peninsular da instituição ficou clara nos seus estatutos: proteger tanto as fronteiras meridionais dos reinos cristãos da Península Ibérica como os peregrinos que se dirigiam à catedral de Santiago de Compostela para venerar o túmulo do apóstolo. A sede ficou estabelecida em Uclès (Cuenca) desde 1174.
A Ordem de Santiago em Portugal
Em Portugal, os mais antigos documentos relativos à Ordem de Santiago remontam a 1172, ano em que recebeu de D. Afonso Henriques o território de Arruda dos Vinhos. Em pouco tempo, passou para sul do rio Tejo, atuando assim ativamente no esforço de guerra do reino. A ordem estabeleceu-se no castelo de Palmela em 1186, mas a reconquista islâmica de 1191 interrompeu a construção do convento ali instituído. A vila voltou a ser a capital portuguesa santiaguista até à conquista definitiva de Alcácer do Sal (1217)
e, pela terceira vez, a partir de 1482, época em que a conquista territorial há muito estava afastada e se aconselhava uma maior proximidade em relação à corte. O protagonismo militar dos espatários impôs-se na primeira metade do século xiii. Depois de conquistado o importante porto de Alcácer do Sal (principal base de apoio da frota muçulmana), coube à Ordem de Santiago a tarefa de conquistar praticamente todo o sul do atual território português continental, sob comando do futuro grão- -mestre D. Paio Peres Correia. Em apenas duas décadas, a Ordem
de Santiago tornou-se a mais poderosa proprietária do reino, dominando um território tão vasto que ia de Samora Correia a Tavira e de Almada a Aljezur. Para apoiar as ações no sul, a sede da ordem deslocou-se para Alcácer do Sal, e depois para Mértola. A verdadeira capital foi Alcácer do Sal, onde os espatários construíram um grandioso convento, conhecido na documentação medieval por “meysom d alcaçar”, junto ao castelo e à igreja matriz. Em Mértola, onde estava formalmente instalada a sede do ramo português entre 1248 e 1482, é mais conhecido o património
encomendado pelo comendador D. João de Mascarenhas que, na primeira metade do século xvi, promoveu a realização de um grandioso retábulo para a igreja matriz (antiga mesquita), no qual se glorificava a vida e legenda do apóstolo Santiago. No sul do país, a grande quantidade de igrejas dedicadas a Santiago deve-se à ação conquistadora e organizadora da Ordem de Santiago, que deixou muitos outros vestígios, como paços de antigos comendadores, castelos que guardaram a memória dos cavaleiros que os conquistaram, túmulos de célebres homens de armas
e de religião, obras de arte patrocinadas por nobres de elevado estatuto na hierarquia espatária, vestígios estruturantes na toponímia local, ou simples e discretos marcos de propriedade. Dada a natureza bélica das conquistas do Alentejo e Algarve, muitas encomendas artísticas privilegiaram a representação de Santiago como guerreiro cristão a cavalo, atacando impiedosamente um grupo de assustados inimigos, no que ficou conhecido como iconografia de Santiago Matamouros. Na verdade, a ordem nunca impôs uma orientação única e continuaram a ser frequentes
as representações de Santiago como peregrino e como apóstolo, estando mesmo no sul do país os ciclos narrativos mais completos sobre Santiago, representados em painéis de azulejos.
Gestão e integração no património da coroa
A ordem era gerida por um grão- -mestre, eleito por 13 cavaleiros, em memória do grupo fundador no século xii. A disciplina religiosa era mantida por um prior-mor, enquanto a gestão das muitas comendas estava a cargo de um comendador-mor. A comenda era a unidade-base de gestão administrativa territorial da Ordem de Santiago, a qual era comandada a partir de um castelo dominante. Por essa razão, os comendadores
foram também alcaides dessas fortalezas. A Ordem de Santiago em Portugal foi gerida a partir do grão-mestre de Uclès até 1452, ano em que o ramo português se autonomizou do castelhano. No reinado de D. João III, a partir de 1551, a ordem foi integrada no património da coroa e passou a ser gerida pelos monarcas portugueses.
A cruz da Ordem de Santiago
A cruz usada pelos freires de Santiago é vermelha e tem dois segmentos laterais em forma de flor de lis, enquanto os segmentos verticais simulam uma espada. O estandarte era branco e, além da cruz, continha a representação das vieiras, símbolo por excelência dos peregrinos jacobeus.